Bio-fácio
de como decorrendo o ano quinto da nossa aprilina era ano da (des)graça de 1979 se lembrou Joaquim de Miranda de tentar ordenar as ideias confusas que em cabeças de muita gente havia para se sair do caos político-cultural resultado de um corte do cosmos ideológico anterior e deste modo ajudar sobretudo as pessoas da micro-sociedade situada no seu estremecido concelho e limítrofes com o esclarecimento das novas ideias a servirem de fermento de regeneração sociológica para as partes restantes deste País em auto-gestão inconsequente porque Miranda pensava que deste modo assegurava os verdadeiros valores da vida visto que não era com as novas ideias pós-revolucionárias quase todas malucas quanto obtusas nem com gestos fanáticos do esquerdismo infantil ou da direita bronca que só faziam a sociedade daquela época morrer enfastiada do palavreado de tanta e tão variada gente que por saber tantas coisas de tudo praticamente não sabia nada de nada a não ser esbanjar ideias bem como ao mesmo tempo a pesada herança que lhe deixaram e havia os bem-pensantes grupos políticos com idiolectos redutores e nefelibatas que antes e ainda tinham o direito de pensar pelos outros mas estes agora já não queriam deixar de pensar também por suas cabeças porque chegando àquele tempo se pensou tanto e tão mal como nunca antes e não se vadiou tanto ideologicamente como então mas Joaquim de Miranda queria ajudar a acabar de vez como se disse com aquele clima todo que não era apto para pôr a nação a pensar a trabalhar a produzir e a ser solidária próspera de ideias de gestos e de acções práticas face às que aquela sociedade-maralha tinha que eram demasiado estéreis e para tal disponibilizou para local de discussão sóbria de ideias o seu próprio Paço que tinha adquirido recentemente este era de estilo barroco e estava implantado no aro mais chique da Vila no extremo da Recta dos Búzios onde há um Chafariz feito de cantaria de Vila Seca e à esquerda houve o galpão do ferrador alveitar Rainho ali perto do grande portão de ferro forjado que serve de portaria à entrada de uma rua larga que leva à praça pombalina da Quinta designada do Cabecinho este era o topónimo do sítio antes deserto em que os pais do último proprietário implantaram esta monumental construção à custa do grande erário acumulado pelo seu bisavô que veio muito rico do Brasil e pelo avô que sustentara a sua riqueza herdada comprando e vendendo ilusões e gado nas feiras dos 15 e dos 23 e noutras datas nas quais enricara com a ajuda do seu sócio transtagano a vender ao mesmo tempo máquinas de fabricar no início do negócio só folhas de alface quer dizer notas de vinte escudos e depois como o negócio corria bem começou também a vender máquinas de fazer notas de quinhentos escudos como as fizera o Alves dos Reis numa altura em que as maneiras mais aptas para enriquecer eram herdar produzir prestar serviços relevantes e o roubar ainda não estava na moda a especulação bancária para a futura e tão arrojada tarefa Joaquim de Miranda pensou pensou pensou e de cada vez lhe saía mais da cabeça a tal ideia de organizar umas largas dezenas de conferências também chamadas de reuniões decentes mas difíceis sobre todos os assuntos possíveis e imaginários como era moda então que se apanhassem numa rede global ligados a ideias mesmo erráticas das mais proferidas então a maioria eram de natureza pseudo-revolucionária com um cunho de atrasadas e mal conformadas enfim o actual residente e dono do Paço para comunicações rápidas e bem escritas e melhor ditas nos seus salões pretendia recrutar oradores de níveis aceitáveis com alguma dignidade de seres pensantes entre todos os que se movessem naquele caos ideológico vigente a que alguns tinham aderido ou porque foram empurrados ou porque para alguns foi a melhor maneira de se realizarem e logo aderiam embora nem que fosse a nível irracional pensando que mal não havia nisso pois não doía nada ser-se estúpido e até se podia ganhar algum carisma mas por seu lado Joaquim de Miranda não perdera nunca a sua rigidez ideológica mas sempre tentou aperfeiçoar-se mudando apenas um cibinho quase nada para se actualizar face à tamanha casmurrice de algumas ideias que tinham vindo do antig regime mas sempre Joaquim de Miranda media bem o que ia fazendo para sobreviver ileso à barganha rubro-exótica para não perder o seu Paço para evitar a sua ocupação ofereceu-o para palco irradiador de ideias que aliás acreditava elas nunca seriam totalmente bem pensadas e globalmente aceites pelos circunstantes porque havia sempre discordantes por natureza e sobretudo outros que extenuados em seus fundos do corpo não se acalmavam sentados por largo tempo por isso com medo que se levantassem e atirassem coisas aos conferencistas toda a gente era revistada à entrada do Paço e em seus lugares sentados lhes apertavam às cadeiras os cintos “confeccionados de promessas e juras” de que se portariam bem como gente civilizada ou como se durante as conferências viajassem numa roda gigante de feira em que não podiam desapertar os cintos senão depois da saída dos falantes da mesa mas com o tempo a alguns mais controversos sobretudo jovens que pertenciam a uma facção mais desordeira e radical pensou-se fazê-los correr o grave e baixo risco de se sujeitarem ao uso de bastões eléctricos que menos serviam para percutir com eles nos seus corpos mas para lhos encostar disfarçadamente aos braços ou pernas destes protestantes enquanto os houvesse na sala prática inaceitável por ser iníqua mesmo nos casos dos falantes de idiolectos e dos nefelibatas impertinentes e impossíveis de manter sossegados durante toda a conferência e daí resultariam alguns dos seus desabafos que mais tarde se ouviriam na praça em desabono do Paço que na maioria não passavam de impropérios inertes mas no fim seria vulgar começar a ouvir dizer-se não hei-de voltar cá não concordo não volto cá não quero ser tratado como animal não me quero passar se não começo a ter visões de cubinhos de açúcar a dançar e ainda se ouviam maioritariamente dos discordantes outras falas todas elas emitidas em linguagem mais baixa e vernácula em que sem propósito aparente se acrescentavam coisas aos crânios dos pais dos seguranças e nomes curtos às suas mães etc. infelizmente havia que recorrer consoante as várias situações ocorridas a outros expedientes que resultassem para a boa implantação das ideias saídas das palavras dos palestrantes dentro dos miolos expostos e serenados à força e assim ávidos ficassem sentados como bons recipientes e por tantas tais e tamanhas dificuldades naturalmente estas conferências só seriam publicadas cerca de trinta anos depois deste ciclo terminado não fosse o caso de haver alguma involuntária matéria de crime de expressão apesar das insensibilidades próprias da época em que nada era pecado mas foram esquecidas por impensáveis e nestes tempos de agora ditos de niilismo ideológico vão ser postas em livro para o conhecimento do público após passados vários anos no mortório do esquecimento a diluir qualquer responsabilidade dos oradores e assim hoje vamos saber os mais variados motivos tratados nas conferências do Paço de Joaquim de Miranda em sua Quinta no Cabecinho aro da Vila todos de muito interesse não que sejam temas novos só que são diferentes no seu tratamento que não há nada de novo debaixo do sol como diziam os romanos que ali deixaram nos terrenos da construção do Paço uma pequena citânea com banhos públicos de que restam apenas as ruínas do caldário onde assuntos alguns de lana caprinaque naqueles passados tempos das águas mornas dos banhos terão levado os romanos agarrados às suas concidadãs romanas queridas a pensar que este é o melhor dos mundos e por isso porque razão os insensatos infectados por idiolectos haviam de estragá-lo com ideias que não acrescentavam nada aos prazeres da vida perante tão antigo e tal e qual postulado era bom deixar viver os outros esta vida e esta foi a razão mais funda que animou Joaquim de Miranda a alinhar alguns bons conselhos estribados em ideias e valores orientadoras de práticas de bom viver naquele seu tempo em que todos se entretinham a estragar a vida a todos
As diferenças nas maneiras de pensar a vida é bela |
este tempo tinha a ver com aquelas maluqueiras dos saneamentos e das atribulárias nacionalizações com as pretensões estultas de se acabar com os ricos e de se trabalhar o menos possível e das passagens administrativas desde a escola primária à universidade onde os professores em alguns casos temiam dar notas aos seus alunos sem primeiro lhes pedirem opinião e de outras muito melhores ideias servidas a energúmenos assim chamados pelos que neles se escudavam mas nem por isso o Paço deixaria de ser palco para quem quisesse perorar sobre tudo e mais alguma coisa de natureza humana ou divina desde que de forma honesta no entanto no Paço de Joaquim de Miranda havia apenas duas condições primeira condição era que para subir à mesa da conferência não podia inscrever-se previamente quem fosse tido como puro adesivo ideológico ou reacionário demasiado petrificado mas estes crânios podiam fazer intervenções rápidas e ainda não havia inscrição de quem tivesse medo de dizer as verdades todas as verdades porém ninguém podia usar da palavra em tempo demasiado longo para não correr o risco dos maus ouvintes alguns infiltrados atirarem com a albarda ao ar e rebentarem os cintos de segurança e logo virasse bagunça sem respeito na sala e ainda finalmente pelo riso emotivo provocado pelos etilizados e tartamudos a estes não lhes eram aceites as suas comunicações e por uma questão de educação não se podia usar o calão ordinário que normalmente enchia a boca de alguns revolucionários nem qualquer palavra-bordão como pá porra chiça sacanagem camaradaetc. a segunda condição era que o denominador comum de todos os conferencistas devia ser a firmeza das convicções e a clareza da expressão das ideias e os assistentes não deviam vir para o Paço nem abandalhados de vestes pêlos e cabelos e de alpercatas nos pés nem demasiado bem vestidos e elegantes e depois de sentados nunca deviam fazer caretas para não desestabilizar algum falante da mesa que estivesse a sentir-se mal aceite pelo público enquanto decorria a conferência regra geral a assistência podia agrupar-se em dois grandes grupos os prós e os contras e os assim-assim estes eram os que oscilavam num centro virtual no Paço anteriormente em tempo certo eram assumidos os programas e as programações das conferências sempre acompanhadas dos seus rigorosos regulamentos a cumprir que se fossem respeitados e tudo corresse bem Joaquim de Miranda abria no final umas garrafas de vinho de qualidade para os conferencistas e os seus companheiros mais directos e aos profissionais da assistência uma claque, cujo comportamento impunha à audiência um comportamento mimético para haver palmas e decência na sala o que era muito custoso a estes entregava um bilhetinho para irem beber vinho da pipa ao Fikaketo ao Caracol etc. ao domingo de manhã para aperitivo do almoço que este assim caía-lhes melhor já que o caldo das couves a habitual overdose de caldo chilro era difícil de empurrar apesar de tão rotinado que estava aquele prato diário na mesa dos pobres depois algumas conferências acabavam por sair no jornal da terra mas só vinham os títulos para não se levantarem de imediato problemas ao directorum senhor de humor imprevisível a quem cabia a auto-censura a censura de lápis azul estava suspensa naquela altura e por isso e não só é que o sucesso desta tão grande iniciativa cultural só agora com a sua presente publicação é que se pode avaliar negativa ou positivamente isto é a nível subjectivo porque para já não vai a tempo qualquer crítica dura ou benévola sobre coisas do passado que nele estavam enraizadas e por ele justificadas por isso não é agora que se pode criticar até porque estavam de acordo com os tempos e as suas circunstâncias e por isso o que vale é as pessoas saberem como é que os homens sensatos e inteligentes entre os quais sobressaía Joaquim de Miranda naqueles tempos faziam uso das ideias para tentarem pôr uma certa ordem na desordem das ideias e nas respectivas atitudes erráticas pós-revolucionárias de natureza espúria algumas que se confrontavam violentamente com a própria natureza do homem a quem muitos o sofrimento humano não agradava a não ser quando era infligido a terceiros gentes que eram marcadas como alvo no sentido da sua regeneração e foi assim que das conferências democráticas além do registo destas ficou o próprio Paço que mais tarde foi doado à autarquia para fazer exposições de peças arqueológicas locais em tão grande quantidade e qualidade que ao vê-las se desnuda aos nossos olhos o passado da Vila e é também a sede própria para se consultarem as obras dos autores nativos amecenados pelos ricos da vila numa grande biblioteca que ali fundou a autarquia ao mesmo tempo que mandou urbanizar todo aquele espaço orgulho da vila de hoje esta designação de conferências será pomposa demais e não será lá muito adequada pois o que se pretendia era apresentar no Paço com um calendário semanal vários assuntos falados na mesa de honra a que presidia sempre Joaquim de Miranda e cada comunicação geralmente visando os aspectos negativos ou menos felizes do outro lado da coisa quer dizer da revolução não podia alongar-se para além dos dez doze minutos logo seguida de intervenções dos comentadores falantes devidamente inscritos e cada assunto era visto de diferentes ângulos durante noventa minutos no máximo assim a Mesa seria respeitada pela audiência que como vimos a princípio e em princípio era auto-disciplinada pelo exemplo e à força de promessas por isso só era presuntivamente constituída por voluntários inscritos previamente como ouvintes activos aos quais antes de entrarem se lhes revistavam e tiravam os teres e haveres que transportavam consigo tidos como supérfluos para evitar no salão matérias de eventuais arremessos quando algum assistente mais falto de resistência e com dificuldade de cumprir o auto-voto de silêncio virasse desassossegado no lugar por se sentir longamente castigado nos glúteos, gritasse isto é chato para burro e logo fosse imitado e emitido o grande grito de fora fora a pedir indirectamente que cessasse o castigo das suas nalgas visto que as cadeiras eram rijas demais e impossíveis de se aguentar quando se ouviam coisas desagradáveis e inúteis em seus critérios
possível estilicídio de impropérios e de pequenos sólidos a mão |
a princípio para arranjar uns tantos sujeitos mais à esquerda para abrir os olhos a uns tantos mais à direita eram projectadas algumas obras primas de teatro e de cinema agora legal mas que antes na “outra senhora” eram considerados crimes de opinião tanto como seria o palavrão ilimitado sempre em uso na linguagem pós-revolucionária naquela época da historiografia de Portugal então era um regalo ver às vezes na assistência o gozo o espanto o medo a fúria a curiosidade a ingenuidade a incredibilidade e sentimentos afins quando no salão antes das conferências do dia era apresentado um filme O Couraçado Potenkine As espingardas da mãe Carrara Outubro A saga do Protogamanso El morbo del izquierdismo La derecha sin teson As boas práticas marxistas todos para maiores de 6 anos de idade que de pequenino é que se torce o pepino e outros nossos clássicos reciclados que foram motivo para muitos se inquietarem quando nos inícios da revolução não sabiam se a coisa ia para a frente ou não e se as cabeças precoces por demasiado confiantes podiam sair do seu lugar à força por precaução se a coisa fracassasse também se projectavam filmes menos violentos menos vistos e ainda mais outros existentes e depositados nas cinematecas nacionais quase ninguém as via porque ninguém lhes ligava nem respeitavam grandemente os realizadores que os fizeram porque sabiam que lhes davam dinheiro para fazer alguns filmes arregimentados politicamente este era o segredo de polichinelo porque quase ninguém os via ou ouvia se desgastavam com o tempo tanto os motivos ideológicos quanto os dois intervalos na projecção dos filmes serviam de fisiológicos relaxantes era a praxe dos tempos da ditadura e eram representados os filmes a fina flor lisboeta alguns estrangeiros de tão culturalmente atrasados eram naturalmente do agrado do país e não careciam de se saber ler as legendas porque eram analfabetos mas todos tinham bom ouvido para apanhar os diálogos em linguagem chã hilariante rasa com mortes e tiros à mistura e sem grandes objectivos então os nossos verbos eram quase todos do tema em á trabalhar amar riscar castigar prisgar safar e outros mas todos superados pelo particípio passado do verbo mandar porque na escola se ensinava que quem mandava governava castigava poupava aprisionava sepultava pronto era quem falava menos e se remetia ao código do verbo honrar e respeitar a pátria e o verbo enricar não era auto-aplicado pelo chefe e caíra em desuso para o mesmo verbo antes e nas épocas das conferências vir a retomar todo o tempo perdido com algumas acepções a de subornar a de governar-se a de empanturrar-se etc. estas conferências teoricamente quase não tinham restrições a não ser a do uso do estilo de paneleirinho ou seja nem muito superficial demais nem muito profundo de menos antes pelo contrário na escolha dos temas que eram livres libérrimos quer quanto aos conteúdos quer quanto às formas que eram da responsabilidade dos próprios e não fosse alguém ofender-se se bem que as pessoas ou instituições não tinham que se escandalizar ou reclamar sobretudo os que diziam o que queriam em sua real gana e castigavam os outros como lhes apetecesse e por isso o melhor para estes era mostrarem-se dignos de ripostarem entretanto só hoje se publicam essas conferências cientes de que passados trinta anos também ninguém se escandaliza ou culpa o secretário-arquivista do Paço da Quinta do Cabecinho que guardou esses escritos com todo o carinho para que hoje e para sempre se saiba que no último quartel do século vinte havia pessoas que tinham pensares tão diferentes e os expressavam por escrito porque chegou finalmente a liberdade para todos até para aqueles que se fosse noutro tempo nos calavam às vezes violentamente e era assim sem ferir as pessoas que produziam essas conferências tão especiais que como se disse o seu primeiro objectivo era as pessoas dizerem tudo mesmo incorrectamente diferente e sem sequer temerem aqueles que se ainda pudessem os eliminariam com violência como nos primitivos tempos de convulsão social estes assuntos eram tratados por opção um pouco à semelhança da etologia da tragédia grega que significava um cerimonial colectivo durante o qual todos podiam falar bem alto das suas frustrações ódios rancores dores e desgraças e cujas palavras expressivas eram sopradas para dentro de um grande odre feito de pele de animal o qual no final da cerimónia pública era amarrado a um bode velho perseguido e escorraçado para a floresta para nesta desaparecer com todas as dores as desgraças e as frustrações etc. levadas por ele no odre sem consequências para ninguém assim eram as conferências eram oportunidades adequadas que as pessoas tinham de aliviar as suas vidas cheias de dúvidas de limitações de pressões e quantas vezes vítimas dos erros pós-revolucionários e assim desabafando faziam uma catarse social à maneira sublinhada pelos autores gregos em suas tragédias literárias que evitavam lutas e as pessoas fugiam aos conflitos sociais e em algumas circunstâncias deste modo não seriam oportunisticamente punidos severamente pelos mais ricos e poderosos de más consciências geralmente quando chegavam a pairar ares de tragédia na sala os conferencistas sobretudo os que não levassem gravata se se começassem a notar as suas atrapalhações e para lhe evitar algumas buchas venenosas a despropósito durante a sua peroração tinham ao lado na mesa uma personalidade moderadora que lhes pisava rijamente os pés quando se lhes adivinhava que aí vinha algum desatino mas os que se apresentavam de gravata se fossem de confiança prescindia-se da tal personagem da produção e podiam dizer o que quisessem mas sem indicarem aparentes desejos de ofenderem convicções pessoais ou irritar os aguerridos grupelhos de destabilizadores que ficavam quase sempre fora do Paço capazes de fazerem ruídos que se chegassem aos ouvidos dos serenos ouvintes podiam em certos casos levá-los a ficarem desmobilizados e o perigo degenerar em real bagunça para tal circunstância extra havia para eles os insatisfeitos por natureza o plano bê umas embalagens artesanais de gás de fazer rir e o deprimente cheiro a bodum dos guedelhudos sépticos em excesso presentes naquelas assembleias ad hoc formadas pelos sem convites tinham a função principal lhes desviava o interesse dos alaridos para os seus narizes e assim com o arder dos olhos acomodavam-se finalmente sem prejuízo para as comunicações e sem que fossem afastados da mesa os comunicadores e só depois concluída a sua missão saíam em liberdade como se verá adiante em todas as comunicações foram ainda banidos tanto quanto possível pela mesa palavrões evocados em vão como constituição liberdade desigualdade etc. para espanto da mesa se criaram à chucha calada por fora verdadeiros textos geralmente em trabalho de grupo e com objectivos dialécticos mas ficaram então todos anónimos porque eram ou desconstrutivistas isto é contrariavam o pensamento de Joaquim de Miranda porque pensava ele que só serviam para uma minoria de infectados por idiolectos e de nefelibatas pouco representativa da verdadeira sociedade em evolução e não eram construtivistas isto é não davam força às formas de expressão ideológica com pensamentos que contribuíssem para estabelecer uma sociedade ordeira trabalhadora mas que enfim até hoje não veio totalmente a acontecer logo e por isso parecia que não valia a pena a não ser por alguns dos seus aspectos históricos editar estas conferências algumas tão simples na sua generalidade e tão complicadas algumas com suas tendências políticas múltiplas que afinal não passavam de banais mas que eram transversais em todos os tempos de revoluções e a toda a sociedade portuguesa como nação imortal as contradições sociais de então eram tantas e tais que seria impossível que essas conferências pudessem apenas consignar pensamentos lógicos seguros neste registo que não fossem traídos pela contradição e por isso não seria possível toda a integral transcrição das discussões havidas em cada conferência durante os noventa minutos então optou-se por publicar os respectivos textos dos temas e no final colocar um pequeno comentário que fosse sintético e rico de intenção de dar a entender o que se passou na respectiva reunião ainda acerca destas conferências aqui se deixam duas notas explicativas indispensáveis para a boa compreensão e entendimento para o que agora se escreve a primeira nota é que algumas comunicações de que os oradores deixaram os originais que são as que de modo geral decorreram com menos exaltação na sala vêm praticamente transcritas no seu todo e na primeira pessoa do singular outras que formaram um grupo mais extenso ou polémico vêm descritas na terceira pessoa do singular e ou no plural majestático da primeira pessoa a segunda nota é que este mesmo tratamento para melhor critério editorial também é dado às comunicações que se reconstituíram por se considerarem interessantes apesar de não se dispor dos seus originais ou por esquecimento ou pela saída apressada dos oradores da sala já que os ânimos às vezes embora de formas benévolas se excediam facilmente o que aliás não se deixa transparecer já que o que se transcreve nesta obra pretende dar uma certa ideia mais ou menos fiel de toda a actividade intelectual séria no Paço de Joaquim de Miranda homem tido como um forte pensador democrático o que facilmente o confunde sem razão com o centro-direita para cuja ideia errada contribuíram alguns oradores da esquerda que não ou raramente apareciam ou por preconceito ou por desprezo ou porque não queriam sujeitar-se às críticas da direita e das esquerdas fortemente dissidentes quase sempre presentes vindas de todo o país para os contestar vigorosamente tanto e quanto lhes era permitido pelas seguranças saudáveis e amantes da ordem e da paz e nada tolerantes para quem em nome das suas ideias revolucionárias fizesse vítimas mesmo estando do lado de fora onde como já referimos facilmente faziam ruídos de maior com gritos abafadores alguns que segundo comentários que chegavam à sala indiciavam a presença destabilizadora das ditas fêmeas-aluadas da política e por isso começavam a certa altura na assistência de conferências a rarear os contra-falantes mas outros passaram a preferir voltar a escrever durante a noite algumas frases desrespeitosas algumas eram porno-ilustrações cuspidas em spray a cores nas paredes que assim falavam por eles do Paço cuja propriedade em princípio num qualquer dia seguinte iria ser a vítima da ocupação aliás inviabilizada com a ideia luminosa de Joaquim de Miranda de ter aberto as portas do Paço ao grande público e colaborado com estas conferências que surpreenderam e traziam desconfiados os políticos xamãs das áreas vermelhas e negras e pior acharam esta ideia alguns autogestionários das azinhagas das novas ideologias com pressa de conseguirem antes dos outros fazer algo pela história das ideologias deste País deste modo logo que foi morta a ditdura fizeram-se novos patronos e ligaram-se ao poder e à riqueza e assim tentaram acabar e/ou arrumar com os desobedientes incomodatícios e os mal sossegados para depois ficarem a dar novos rumos à pátria em que só mudavam as moscas e ficava tudo na mesma como neste trabalho adiante e felizmente se poderá ver com olhos benignos porque pretendeu viver sem raiva nem vingança numa sociedade adulta democrática e próspera neste sentido aguarda-se que esta iniciativa editorial tenha alguma hipótese de êxito e fuja a uma de duas daquelas duas hipóteses crónicas e fatais que carimbam muitos livros que pretendem vencer a pouca e ou nenhuma é pena que não se divulguem os verdadeiros custos das revoluções em dores mortes lágrimas prejuízos materiais e morais e as suas efemérides façam de tais custos tábua rasa e só transpareçam as alegrias e as festanças nesses dias de aniversário das revoluções que até podem trazer benefícios para as sociedades mas vae victis quer dizer em latim ai dos vencidos contudo poder-se-á concluir que na altura as conferências no Paço de Miranda conseguiram um pequeno círculo em boa parte restaurar o bom senso e trazer à terra respectivamente alguns dos afectados cegamente por idiolectos e os nefelibatas pós-abrilinos destas se seleccionaram apenas os temas rebatidos nas 24 conferências por parecerem ser os mais participados por elementos partidários e os mais significativos ou mesmo chocantes a elas presidiu sempre Joaquim de Miranda homem firme mas não demasiado duro com o objectivo de registar para a posteridade algumas dores de parto desta nossa democracia algumas que até se justificaram em certa medida por não termos cultura democrática mas agora haveremos de viver em democracia e seria imperdoável o aparecimento de rupturas políticas com o aparecimento de novos condottieri ou do aparecimento do Bosão de Higgs que se o ateu lançasse mão da Partícula de Deus não resistiria à gratuita provocação à arcana praxis de soltar do peito um enorme urro de não há Deus e logo na televisão dar um forte murro e aos ouvidos do crente ao longe o eco repetiria kburro