DUAS PALAVRAS
Como Moisés contemplando do alto do Monte Nebo a Terra Prometida na qual não viria entrar, Edgard Panão recolheu-se no seu Observatório do Recolhimento, recheado de memórias e de tombos, para fazer uma avaliação do que, no seu entendimento, foi o golpe do 5 de Outubro de 1910. Sucedeu que, por sinal, a República acabou passados cerca 16 anos por “tombar” exausta de convicção e de vigor. As instituições, as pessoas e qualquer criatura, por sua natureza efémeras e finitas, não possuem o dom da perenidade e mais curta será a sua duração se não têm uma base sólida e assentam em areia movediça.
Não admira que no termo de uma sessão comemorativa do centenário da República em que o orador descarregou sobre o período final da Monarquia toda a espécie de malefícios, um dos presentes sentiu intimamente uma indizível revolta e um azedume atroz. O erudito palestrante lembrou ainda João Franco como sendo um sujeito de mau carácter político, porque enquanto estudante de Coimbra era o “terror dos gatos gentios da rua”. Pela calada da noite ele e seus colegas conviviam as horas de boémia académica em ambiente de estroina que só Coimbra sabe proporcionar. Na sua desassombrada oratória o sábio mestre via na República toda a espécie de virtudes e sem papas na língua “beatificou-a”, comentou alguém, inequivocamente esperando, quem sabe lá, a hora da sua “canonização”. E então será a “Santa República”, mais uma eleita a acrescentar ao santoral litúrgico.
Entre os assistentes que seguiam com interesse a conferência houve quem recordasse o jagoz[1], aquele estudante monárquico que não entrava nas repúblicas cujo pai tinha um trauma causado pelas cenas lancinantes do embarque de D. Manuel II na Ericeira, sua terra natal, que a República, muito má para a Família Real, tinha expulso do país. Estava explicada a resistência do jagoz em entrar numa república! E o monarca em Inglaterra como bom bibliófilo lá ia constituindo a sua valiosa biblioteca de autores portugueses que ofereceu a Portugal[2]! A família real, destroçada pelo atentado de 1 de Fevereiro de 1908, tinha tomado o caminho do estrangeiro; depois foi a vez da partida daquele que ficou conhecido por “Rei Saudade”. Por cá os “talassas” eram objecto de críticas de toda a ordem por não aderirem às novas ideias republicanas que eram impostas e não convenciam. Faltou a cultura do diálogo e da tolerância bem como a pedagogia de elucidar o que se pretendia com a alteração de paradigma[3].
Mas com as suas pertinentes observações Edgard Panão pretendeu alargar os seus horizontes para o passado, para o presente e para o futuro e extrair algumas lições que podem ser de grande utilidade para todos. A mudança de regime é o pretexto para uma reflexão mais alargada e muito ajustada ao momento que vivemos. É a pedagogia de alguém que na vida sempre se evidenciou como pedagogo de reconhecido mérito. A situação político-social e científico-cultural a nível mundial, a globalização, a crise da União Europeia, as perturbações nalguns países islâmicos, as questões ético-morais em que a família é duramente atingida, a sobreposição dos interesses económicos e financeiros ao que é verdadeiramente humano (em que entra o problema da corrupção), as desigualdades entre ricos e pobres que se avolumam de dia para dia, o terrível afundamento dos valores culturais e valores morais num abismo sem recuperação possível, o nível deplorável do sistema educativo e os constantes atentados ao ambiente – eis alguns aspectos que no dealbar do 3.º milénio se levantam e aos quais tantas inteligências e tanto saber tecnológico não dá a resposta cabal. Sem cair em pessimismos vem-nos ao espírito a expressão “Abyssus abyssum invocat” sem deixar de, ao mesmo tempo, recordar a revitalização dos ossos ressequidos que vieram a adquirir nova vida na bela imagem de Ezequiel. A esperança constitui uma base fundamental do são humanismo cristão tão apregoado por Jacques Maritain Jean Guitton, Emmanuel Mounier, Julien Green e outros e que a Declaração dos Direitos do Homem de 1948 e a doutrina social da Igreja inculcam com incontestada clarividência. A história na sua longa caminhada debate-se com situações de mais clarividência e progresso e outras de perturbadoras dúvidas e decadência. Há que saber aprender, corrigir e descobrir soluções que ajudem a reformar o que carece de renovação, pois nada está cumprido em definitivo. Do Alfa ao Ómega vai um infinito de imponderáveis que não devem ser encarados como Muro das Lamentações, mas com lucidez e optimismo.
O livro é dedicado a António Panão, seu bisavô, que nas eleições era levado, com abusada assiduidade, pelos caciques do Partido maioritário para a masmorra do vizinho Castelo da Ega: «Ao cidadão postergado por ter dado o seu voto a político de discurso inconsequente». São palavras de uma actualidade flagrante e que falam por si.
Depois de uma introdução sobre a República segue-se a 1.ª parte que inclui vários prolegómenos a toda a compreensão futura e aponta o objectivo do trabalho; a 2.ª e a 3.ª partes tratam de vários aspectos relevantes como o novo regime e a praxis republicana, merecendo uma referência especial a alusão às reformas educativas em que sobressai a notável proposta de Lei para uma Reforma da Educação apresentada na Câmara de Deputados pelo médico João José da Conceição Camoesas; na 4.ª parte Edgard Panão tece algumas considerações sobre a Constituição da República de 1911; e, finalmente, apresenta um apêndice com textos da imprensa da época que muito elucidam o leitor e enriquecem sobremaneira o livro.
Estamos perante um trabalho muito bem estruturado e rico de ensinamentos que merece uma reflexão cuidada.
1. O CENTENÁRIO DA REPÚBLICA
A celebração centenária do 5 de Outubro ofereceu o ensejo para repensar o que significou a viragem radical da história portuguesa ocorrida em 1910 e anos seguintes. Abundaram as publicações, os congressos, as manifestações de toda a ordem e a evocação de figuras e factos ligados à República. Os louvores à República sucederam-se numa catadupa que parecia não conhecer limites.
Por seu turno a Comissão Oficial das Comemorações procurou traçar os limites e os contornos de uma revisão da história da república. E a Igreja, a Universidade Católica e outra instituições também não se colocaram de costas voltadas para a efeméride. O próprio Papa Bento XVI na sua visita a Portugal ao chegar a Lisboa a 11 de Maio de 2010 lembrou os 100 anos da República: «De uma visão sábia sobre a vida e sobre o mundo deriva o ordenamento justo da sociedade. Situada na história, a Igreja está aberta a colaborar com quem não marginaliza nem privatiza a essencial consideração do sentido humano da vida. Não se trata de um confronto ético entre um sistema laico e um sistema religioso, mas de uma questão de sentido à qual se entrega a própria liberdade. O que divide é o valor dado à problemática do sentido e a sua implicação na vida pública. A viragem republicana, operada há cem anos em Portugal, abriu, na distinção entre Igreja e Estado, um espaço novo de liberdade para a Igreja, que as duas Concordatas de 1940 e 2004 formalizariam, em contextos culturais e perspectivas eclesiais bem demarcados por rápida mudança. Os sofrimentos causados pelas mutações foram enfrentados geralmente com coragem. Viver na pluralidade de sistemas de valores e de quadros éticos exige uma viagem ao centro de si mesmo e ao cerne do cristianismo para reforçar a qualidade do testemunho até à santidade, inventar caminhos de missão até à radicalidade do martírio».
Aqui Edgard Panão cita G. Orwell que em 1984 dizia: «Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado». Por isso decidiu romper com a cadeia virtual e denunciar os erros do passado. Assim se pode significar a erradicação de políticas de branqueamento dos mesmos desvios no presente e no futuro. A isto pode chamar-se isagoge alargada para evitar à Demo(ético)cracia, as crises da democracia. Afirma que se pecou por amblíope e que se impõe proceder a uma crítica construtiva, pois a democracia de todas as épocas deve lutar sem desvios nem pausas em busca da Verdade e da Justiça. As sociedades tanatofóbicas cultivam o medo e pode acontecer entrar-se num teatro de sombras chinês mas à portuguesa.
Eliminada a Monarquia e pretendendo-se por arrastamento retirar a Igreja da cena pública, duas instituições que tinham no vasto território português, continental, insular e ultramarino, um passado de mais de oito séculos e acompanharam a história do País nos seus momentos mais florescentes ao lado de outros menos radiosos, surgia um corte radical com a tradição milenar do País que era apresentado aos olhos de muitos como nova criação, o retorno às origens, ao Paraíso inicial!
As vicissitudes de 1910 assemelham-se a outras crises da história pátria que igualmente abalaram a sociedade. Pense-se na expulsão dos Judeus em 1492, da Companhia de Jesus em 1757 e das Ordens Religiosas em 1834. Da história há que colher lições e ensinamentos. Se a ligação do Trono e do Altar originaram não poucos problemas, o mesmo se pode dizer da sobreposição do primeiro sobre o segundo e, pior ainda, se de uma penada se eliminam ambos e se estabelece uma realidade diferente que apaga o legado que os dois haviam criado.
Também a Revolução Francesa e as ideologias do séc. XIX, liberalismo e marxismo, enalteceram um futuro idílico de felicidade que o tempo se encarregou de desfazer. A chave do problema continua a ser procurada e não o será enquanto se menosprezar o papel de uma antropologia consistente como é a cristã.
2. NOTAS HISTORIOGRÁFICAS
É longa a série de estudos acerca da história da República. Até 1960, fogosos militantes do republicanismo anti-fascista escreveram sobre o tema como Lopes de Oliveira, David Ferreira, Carlos Ferrão e Raul Rego. Com os seus escritos pretendiam fazer um acto de resistência ao Estado Novo, com a intenção de vincar o contraste entre a liberdade que vigorara até 1926 e a repressão que se abatera sobre a nação portuguesa desde o golpe de 28 de Maio desse ano. A implantação do regime na História da República de Carlos Ferrão, o mais importante e volumoso estudo comemorativo do cinquentenário da revolução de 5 de Outubro, pretendia apresentar a República como um ideal a seguir.
No meio de tantas obras houve algumas excepções como foi a História de Portugal dirigida por Damião Peres, na qual encontramos uma visão objectiva, sem preconceitos, sobre os factos ocorridos no pós-1910.
Na década de 1960 surgiram autores com uma historiografia de cariz científico de que são exemplo Oliveira Marques, mas continuavam os exageros e as inexactidões. Não deixou, contudo, de reconhecer que a República restringiu em muito o sufrágio ao abolir o direito de voto dos analfabetos. Aquele especialista via em Afonso Costa «o mais hábil e dotado dos estadistas da República». Oliveira Marques interpreta o pensamento e as intenções deste político a partir dos seus discursos parlamentares, concluindo que a tolerância era o mais importante dos seus princípios, e o povo miúdo a sua grande preocupação.
Foi a tese de doutoramento de Vasco Pulido Valente, O Poder e o Povo, em 1974, que conduziu a uma significativa viragem na abordagem da República. Quer na área republicana quer na área monárquica, segundo aquele autor não havia nenhum idealismo. Submeteu o seu juízo a uma análise irónica, «em que os actores são caracterizados como um bando de ambiciosos sem escrúpulos, cínicos e hipócritas, que se instala no poder substituindo outro bando com as mesmas características».
A Faculdade de Letras de Lisboa nos anos 80 iniciou uma nova metodologia historiográfica republicana. Destacou-se então João Medina, autor e coordenador de extensa produção científica, de que merece destaque uma História de Portugal em 15 volumes, profusamente ilustrados. Servindo-se do tema dos “adesivos”, afirmou que foram eles a causa e a justificação dos “fracassos” da República. A sua rapacidade materialista corrompeu o idealismo republicano. A ambiciosa revolução sonhada gorou-se e a República foi um sonho progressivamente apodrecido; Depois de falar do caos do decepcionante regime novo, João Medina não enveredou pela defesa das leis anticlericais nem pela negação de episódios sangrentos que condena com duras palavras. Responsável da podridão do regime foi a legião dos novos convertidos, daqueles que abandonaram a Monarquia. Escreveu Medina: «Aí está a legião dos Adesivos, a grunhir às portas do novo regime proclamado em 1910, forçando os seus portões, entrando por eles dentro, conspurcando os seus sonhos de pureza e barrela, sujando tudo e todos».
Assistiu-se nos anos
Entretanto no Instituto de Ciências Sociais, autores como Rui Ramos, Vasco Pulido Valente, Maria Filomena Mónica e Maria de Fátima Bonifácio, publicavam estudos sobre o fontismo, o franquismo, o reinado de D. Carlos e a transição para a República. Consequência desses trabalhos foi a conclusão de que, ao lado de muitos benefícios trazidos ao país durante a Monarquia, resultou o miserável estado a que a República conduziu Portugal.
O centenário da República começou por ser considerado por certos sectores adeptos da herança republicana como a ocasião propícia de renovação do Republicanismo maçónico mais ortodoxo. Em
Fernando Rosas e Fernanda Rolo, numa tentativa de se oporem à “corrente monárquica e conservadora” que em 2008 se manifestara na vida pública portuguesa, por ocasião do centenário do regicídio, apresentaram a versão universitária e republicana de uma nova História da República. Na introdução denunciam a existência da dita “corrente monárquica e conservadora” e acusam a mesma de copiar as teses do Estado Novo a respeito da I República, afirmando-se que seria trágico se prevalecessem, nas comemorações do centenário, interpretações como aquela. Falaram de uma interpretação diferente, demonstrando o carácter moderno e sociologicamente necessário do novo regime. Abandonaram a tese da representatividade democrática da República e colocaram em seu lugar a adequação do regime às novas classes industriais e urbanas surgidas em finais do século XIX, «enquanto se proclama a decadência “inexorável” do regime monárquico, a sua falta de legitimidade e o seu carácter oligárquico». Os coordenadores da obra afirmam, por exemplo, que a opção do Partido Republicano Português pela conquista violenta do poder foi tomada depois de lhe ter sido “bloqueada a via eleitoral”. Mas vários colaboradores deste volumoso livro falam dos triunfos eleitorais do P. R. P. e da sua contínua progressão nas urnas, ao longo dos anos que precederam o 5 de Outubro. Sendo certo que reconhecem as esperanças traídas, os erros, a violência, o golpismo e a conspiração, o desastre, a desilusão, não deixaram de afirmar a presunção de pureza, inocência e generosidade nas intenções de muitos. Reconhecem que falharam certas promessas como a liberdade de imprensa, o sufrágio universal, o pacifismo, o federalismo, o apoio às classes humildes, mas continuam a dizer que o regime republicano apresentava uma inocência incontestável, mesmo com a prática dos meios violentos que sempre usou, dos votos que manipulou, dos padres que perseguiu e da repressão que empregou contra o movimento sindical. E assim foi “presa fácil” de outros quadrantes ideológicos, que se presumem predadores, e portanto mais agressivos ou desonestos por natureza, enquanto a República só o terá sido por acidente.
Desta forma o Republicanismo foi-se limitando a discursos e proclamações sem conteúdo consistente, a um sonho que insistentemente se afirma ter existido, embora sem efeito algum sobre os actos dos que o sonharam. O cepticismo apoderou-se muitos, embora os defensores continuassem a dar um crédito excepcional às proclamadas intenções dos fundadores da República[5]. Aplica-se aqui o que dizia Joubert Joseph no séc. XVIII: «Quem tem imaginação, mas não tem cultura, possui asas, mas não tem pés».
3. REPÚBLICA E REPUBLICANISMO. LUTA CONTRA A MONARQUIA E A IGREJA
Para se compreender melhor o que foi a investida contra a Igreja durante a I República convém lembrar que desde o séc. XVI se colocaram à instituição eclesiástica vários desafios que ela enfrentou com fé e determinação. Assim sucedeu logo com o Renascimento e com as Reformas; depois com os Absolutismos (o Iluminismo com ataques de muitos intelectuais, o aumento da descrença, a sobreposição da razão à fé, o enciclopedismo a inculcar a negação de toda e qualquer ideia religiosa); com as várias Revoluções (políticas, nacionais, intelectuais, industriais e a geográfica) de que destacamos: a Revolução Francesa de 1789 que à sombra do lema liberdade, igualdade, fraternidade investiu com uma violência atroz contra a Igreja e conduziu à coroação que Napoleão fez a si mesmo em Notre-Dame na presença do papa e à concordata de 1803, impregnada de princípios de uma submissão inaudita da Igreja face ao Estado[6]. Seguiram-se o liberalismo, o marxismo e o positivismo; e, finalmente, o desafio do Romantismo. Foram desafios permanentes a uma instituição que, apesar de tantos erros cometidos ao longo da história, conseguiu adaptar-se e sobreviver sempre com grande vitalidade.
Um dos aspectos mais relevantes da República prende-se com o sectarismo anti-católico e a tentativa de limitar ou pôr termo à Igreja que se manifestavam em clima de instabilidade, violência e ausência de estratégia.
A Lei de Separação de 20 de Abril de 1911 constituiu o marco mais importante desse processo que apontava para um laicismo absoluto como sucedera em França. Das três experiências no s. XIX, Lei de Separação do Brasil (7 de Janeiro de 1890) e da França (5 de Dezembro de 1905), a de Portugal seguiu quase à letra a francesa.
Em França, a Lei de Separação das Igrejas e do Estado ficou a dever-se ao deputado socialista Aristide Briand, a 9 de Dezembro de 1905. Durante cerca de 25 anos assistiu-se a uma crescente onda de ataques contra a Igreja. Havia duas visões da França: a clerical, favorável à concordata de 1801 e a republicana e laica em que entrou o caso Dreyfus em 1898, dominando as discussões político-religiosas. Depois dos governos de Jules Ferry (1883-1885), de Pierre Waldeck-Rousseau (1899-1902) veio o de Émile Combes (1902-1905), mas foi o seu sucessor Maurice Rouvier (1905-1906) que levou a seu termo a lei de separação que a portuguesa segue em pormenor.
A Igreja Portuguesa que tinha vivido 150 anos de opressão regalista instaurada pelo Marquês de Pombal parecia não possuir forças para enfrentar as dificuldades. Com o liberalismo cartista a organização e a vida da Igreja passaram a depender da Repartição de Eclesiásticos do Ministério da Justiça. Por outro lado os bispos eram apresentados pelos Negócios Estrangeiros, o que provocava a divisão dos bispos e do clero.
Com a expulsão da Companhia de Jesus em 1759 desapareceram nas missões e no padroado do Oriente as instituições de educação e evangelização insubstituíveis; veio depois a extinção das ordens religiosas com consequências negativas incomensuráveis.
No anticlericalismo republicano podemos ver duas correntes: a de Afonso Costa e a dos que tentavam a mitigar a Lei de Separação de que são exemplos António José de Almeida do Partido Evolucionista e Brito Camacho do Partido Unionista.
As revoluções sangrentas de 14 de Maio de 1915, de fins de Dezembro de 1918 e princípios de 1919 e a noite sangrenta de 1921 tornaram a situação insustentável. Alguns nomes vieram entretanto a salientar-se como defensores do apaziguamento: o ministro da Justiça Diogo Leote em 1911, Guilherme Moreira em 1915, Moura Pinto no primeiro governo de Sidónio Pais e Manuel Rodrigues em 1926 no Governo da ditadura militar.
Verifica-se uma evolução desde o séc. XVI relativamente à ideia de separação considerada como questão doutrinal. Mais tarde Leão XIII com a encíclica Libertas praestantissimum formulou o princípio da tolerância e justificou a política do ralliement entre a Igreja e a Terceira República de França. O ralliement designa a atitude de uma parte dos católicos franceses que, seguindo os conselhos do papa Leão XIII e da sua encíclica Inter innumeras sollicitudines, aderiram à República depois de 20 de Fevereiro de
A mesma distinção aparece no Protesto Colectivo dos bispos portugueses: «Embora a Igreja não aprove nem possa aprovar, em tese um em linha de princípio, a doutrina que considera a separação como o regime melhor e mais consentâneo ao progresso, pode, todavia, em hipótese, atentas particulares circunstância, aceitar como tolerável, como mal menor, essa separação. O essencial é que ela deixe à Igreja a liberdade de exercer a sua missão sagrada e a posse e o domínio dos seus bens. Se a fórmula «Igreja livre no Estado livre« não representa o ideal, pode ser aceitável, e é sempre preferível a esta outra «Igreja escrava no Estado Senhor«. Mas é exactamente esta última a que se traduz no recente diploma, cuja sumária apreciação fizemos». Foi esta posição que o Vaticano II consagrou.
Com a Lei de Separação a Igreja e as instituições morais deixavam de ter personalidade jurídica; o Estado tomou posse dos bens eclesiásticos que não fossem indispensáveis ao culto. Foram criadas comissões cultuais que geriam as igrejas de culto. A sustentação do clero era garantida por pensões[7].
Com o seu entranhado anticlericalismo Afonso Costa, ministro da Justiça e dos Cultos, tudo fazia para levar por diante o seu ideário[8]. Com a implantação do regime republicano em 1910, dá-se a separação completa entre a Igreja e o Estado, ficando a administração dos assuntos eclesiásticos entregue à competência da Igreja Católica Portuguesa. A partir daí a competência do ministério nos assuntos religiosos passou a ser apenas de regulação dos cultos. Nessa altura o departamento muda de nome passando a denominar-se Ministério da Justiça e dos Cultos.
Veio depois a laicização da vida pública, por achar «conveniente dar satisfação à aspirações liberais e democráticas». Aboliu o juramento com carácter religioso, o da Imaculada Conceição e outros a que obrigavam os Estatutos da Uni de Coimbra; anulou as matriculas em Teologia do 1.º ano da Uni; extinguiu a cadeira de Direito Eclesiástico da Faculdade de Direito; suprimiu nas escolas primárias e normais o ensino da doutrina cristã: mandou considerar dias de trabalho todos os dias santificados excepto o domingo; permitiu aos governadores civis que dissolvessem as mesas administrativas das irmandades e confrarias, substituindo-as por comissões; proibiu às forças do exército e da armada que interviessem em solenidades de carácter religioso; atacou os fundamentos da família com a lei do divórcio e as chamadas leis da família que consideravam o casamento como contrato puramente civil; o registo civil passou a ser obrigatório e remunerado precedendo o acto religioso. Como e vê havia uma preocupação anti-religiosa muito acentuada[9].
A Constituição de 18 de Agosto de 1911 baseia-se nas constituições monárquicas portuguesas de 1822 e de 1838 e na Constituição da República Brasileira de Fevereiro de 1891, bem como no programa do Partido Republicano Português. Merece ser lembrado o que no Título II se diz acerca dos direitos e garantias. Destacam-se a liberdade, a igualdade civil, o direito de propriedade ou direito de resistência a quaisquer medidas tendentes a deprimir as garantias individuais legalmente salvaguardadas, a igualdade social, as liberdades de expressão e de pensamento, de reunião e de associação, e o direito à assistência pública.
Por fim, também o laicismo se tornou um direito constitucional, postulado através da liberdade de crença e de consciência, da igualdade de todos os cultos religiosos, da secularização dos cemitérios, da laicização do ensino, da inadmissibilidade em Portugal das congregações religiosas e da Companhia de Jesus e da obrigatoriedade do registo civil. Cumpria-se assim, após as Leis emanadas do Governo Provisório, o programa de laicização e secularização que havia sido um dos pontos mais acentuados na propaganda republicana.
A Constituição de 1911 afastou ainda o sufrágio censitário vigente durante a Monarquia; e não consagrou o sufrágio universal, pois não conferiu capacidade eleitoral às mulheres, aos analfabetos e, em parte, aos militares. Ao mesmo tempo, foi também a primeira constituição portuguesa que estabeleceu a prestação do serviço militar obrigatório.
4. PERSEGUIÇÃO ANTICATÓLICA
O primeiro bispo a sofrer foi o de Beja, D. Sebastião Leite de Vasconcelos, que teve de retirar-se para Sevilha. Os bispos reagiram com a Pastoral Colectiva dos Bispos de 22 de Fevereiro de 1911[10]. Nasceu da reunião de S. Vicente de Fora de Novembro e foi mandada ler nas missas do domingo seguinte, dia 26, sem prévia autorização do governo; nela se fala da feição não só acatólica, mas anticatólica das reformas republicanas.
O Governo negou o beneplácito régio à Pastoral Colectiva, mas D. António Barroso, bispo do Porto, mandou que se lesse nas igrejas. Afonso Costa chamou-o a Lisboa e publicou um decreto que o declarava «destituído das suas funções de bispo » e «vaga a diocese», «como se vacância resultasse de falecimento»[11]. 28 de Fevereiro: Obrigaram-se os serviços dependentes do Ministério da Justiça, nomeadamente o notariado, bem como os tribunais, a deixarem de usar a referência do formulário à era de Cristo, desaparecendo a tradicional fórmula: no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Afonso Costa reagiu energicamente contra a Pastoral dos Bispos, mandando-lhes um telegrama onde declara negar o beneplácito à Pastoral exigindo que os prelados impusessem silêncio ao respectivo clero à excepção de D. António Barroso no Porto.
A 6 de Março, D. António Barroso é intimado a comparecer em Lisboa no dia seguinte. A 7 de Março, é chamado a Lisboa, sendo apupado na Rua do Ouro. Nesse dia são interrogados no Porto 30 sacerdotes. É afastado da diocese por decisão do Conselho de Ministros e desterrado em Cernache do Bonjardim, em 8 de Março.
Entretanto era alvo de cruel perseguição o bispo da Guarda, D. Manuel Vieira de Matos, que esteve incomunicável no seu paço, cercado pela polícia e pela carbonária durante treze dias. O seminário passou a edifício da Câmara e o prelado desterrado por dois anos. De salientar a solidariedade manifestada pelo episcopado para com o seu colega.
Também o patriarca de Lisboa, Mendes Belo, e os bispos e governadores dos bispados foram processados e expulsos por dois anos das suas dioceses.
As revoltas entretanto surgidas afastavam do poder o partido mais violento, mas D. António Barroso e Mendes Belo foram de novo condenados a exílio.
A Lei de Separação do Estado das Igrejas, promulgada seis meses depois da proclamação da República, imbuída de profunda injustiça, opressão, espoliação e ludíbrio, levou Magalhães Lima a afirmar: «Dentro de alguns anos não haverá quem queira ser padre em Portugal: os seminários ficarão desertos». Em 24 de Abril, Afonso Costa anunciava em Braga que o catolicismo acabaria em duas ou três gerações, confirmando o que tinha dito, a 26 de Março, em sessão magna da maçonaria: «Está admiravelmente preparado o povo para receber essa lei; e a acção da medida será tão salutar que em duas gerações Portugal terá eliminado completamente o catolicismo, que foi a maior causa da desgraçada situação em que caiu». E concluía: «Saiba ao menos morrer quem viver não soube».
A 5 de Dezembro de 1917, surgiu a revolta de Sidónio Pais. O novo governo anulou os castigos que pesavam sobre os prelados e outros ministros da religião e modificou as disposições da Lei de Separação que mais feriam os católicos. Mas a 14 de Dezembro de 1918, assassinado na estação do Rossio, o “Presidente-Rei Sidónio” desaparecia da cena política.
A vaga de anticlericalismo que vinha de trás[12] levou à elaboração de significativo número de publicações que conheceram larga divulgação, especialmente em Coimbra onde surgiu a Escola Coimbrã em que pontificava Antero de Quental acompanhado de uma plêiade de colegas como Teófilo Braga que se entregaram ao estudo das novas correntes de pensamento, em particular do positivismo, contribuindo igualmente com diversas publicações para o enriquecimento da nossa literatura[13]. A influência francesa é por de mais evidente em tudo o que se passou entre nós[14].
Todo esse clima de agitação ideológica e literária impressionou Ramalho Ortigão que num opúsculo intitulado A Literatura de Hoje, 1866, censurava aos rapazes as suas inconveniências, ao mesmo tempo que afirmava não saber o que realmente estava em discussão. Este opúsculo deu lugar a um duelo do autor com Antero. Eça de Queiroz em O Crime do Padre Amaro de forma implícita toma parte no movimento dos jovens literários. E podíamos falar de outros autores.
5. RESPOSTA DA IGREJA
Nos primeiros anos da República, o episcopado português publicou várias pastorais colectivas. Estes documentos mostram, pela primeira vez, acções e manifestações conjuntas do episcopado. E finaliza: elas eram uma manifestação, mobilização e doutrinação para o clero e leigos.
Além da Pastoral Colectiva a Igreja reagiu com determinação por meio dum Protesto Colectivo do episcopado, do início de Maio, e São Pio X escreveu a encíclica Iamdudum in Lusitania de 21 de Maio. A resposta da Igreja: não às cultuais, não às pensões.
Perante tão grave momento da vida da Igreja na parte final do séc. XIX e inícios do séc. XX muitas foram as formas de resposta por parte da instituição eclesiástica[15]. Em 1901 foi criado em Coimbra o C. A. D. C. como centro de diálogo entre fé e cultura tomando como pretexto o decreto anticongregacionista de 18 de Abril de 1901 e procurando um alinhamento com o pensamento de Leão XIII que nas suas encíclicas, nomeadamente na Rerum Novarum, apontava uma nova atitude frente ao movimento operário e às circunstâncias adversas que a Igreja enfrentava[16].
Em 1905 saiu a lume a revista Estudos Sociais, primeiro órgão do C. A. D. C., à qual se seguiu o Imparcial, e a partir de 1922 começou a publicar-se a revista Estudos um dos grandes marcos de referência na Igreja do séc. XX[17].
De referir ainda a constituição de núcleos da Juventude Católica Portuguesa que já andavam em preparação desde 1873, mas que só 1909 ganhou forma.
Depois da implantação da República tornou-se mais urgente a organização dos católicos recomendada pela Pastoral Colectiva dos Bispos e pelo Apelo do Episcopado. O Centro Católico Português foi fundado num congresso realizado em Braga em 8 de Agosto de 1915[18], tendo nas eleições de 13 de Junho seguinte sido eleito deputado António Augusto de Castro Meireles, futuro bispo de Angra e do Porto, e senador o Padre António José da Silva Gonçalves[19]. Entre tantas mais, foram personalidades de relevo foram António Lino Netto, António Pereira Forjaz, José da Fonseca Garcia, Pinheiro Torres e Fernando Sousa (Nemo). De referir a beatificação do Beato Nuno de Santa Maria em 1918 por Bento XV, canonizado por Bento XVI em 2009. No dia 19 de Janeiro de 1920 começou a publicar-se A União, órgão do Centro Católico Português. Viverá inúmeras polémicas com A Época, jornal dirigido por José Fernando de Sousa (Nemo).
Em Maio de 1920, surgiram divergências entre os católicos, no conflito entre A Época de Fernando de Sousa (Nemo) e A União, de António Lino Netto. Lino Netto tinha escrito: «A Igreja é a mais bela democracia que tem visto o mundo e a primeira democracia de todos os tempos». Muitas foram as publicações surgidas tendo a imprensa desempenhado um papel importante. Papel importante a partir de 1872 o jornal A Palavra[20]; o Almanaque de Santo António nasceu em
A República uniu católicos em torno dos bispos. O povo reagiu serenamente e, na sua grande maioria, manteve a sua fidelidade à Igreja. Quando os bispos portugueses «foram atacados, imageticamente, durante a República, isso uniu o catolicismo em torno de uma figura que, na Monarquia Constitucional, era bastante desprestigiada: o próprio bispo», palavras do historiador António Matos Ferreira numa jornada de estudo “Da Monarquia à República: o Clero contemporâneo”.
O modelo da Universidade Napoleónica criada em 1808 foi seguido em Portugal, contrastando com o da de Berlim fundada por Humboldt em 1805 em que a autonomia e a investigação ocupavam lugar importante. Fichte no seu livro Anrede an die Deutsche Nation (1808) desenvolve em pormenor o valor da educação para a sociedade alemã como alavanca para recuperar o seu papel no contexto europeu. A Alemanha estava então ocupada pelos Franceses. Referimos aqui uma expressão que revela bem as suas convicções: «A vontade humana é livre, e a felicidade não é o fim do nosso ser, mas a dignidade de ser feliz».
A Universidade de Coimbra passou por uma crise enorme durante o séc. XIX: esteve encerrada seis anos e a frequência escolar era diminuta: houve anos em que não se atingiu o número de 500 e nunca se chegou a 1 600 escolares. A Faculdade de Direito (até 1836 de Cânones e Leis) era a mais frequentada com cerca de ¾ da totalidade de alunos universitários!
A pedagogia tinha em geral um nível baixo e a Sebenta era o instrumento mais em voga para a aprendizagem[21]. O que não quer dizer que não tivesse havido mestres de renome como Teixeira Bastos que introduziu em Coimbra em os Raios X um ano após a sua invenção pelo físico alemão Wilhelm Conrad Röntgen em 1895; Augusto Costa Simões evidenciou-se como professor insigne de Medicina; e podíamos falar de outros.
Uma das áreas em que a República muito investiu foi na da Educação. Aliás o trabalho realizado vinha na sequência de tentativas feitas nos sécs. XVIII-XIX após o fracasso da Reforma de Pombal de 1772. Nunca será demais evocar a criação do Colégio dos Nobres (1761) e da Academia das Ciências de Lisboa (1779) e lembrar os contributos de Luís António Verney e de António Nunes Ribeiro Sanches, entre outros, que antes de Pombal escreveram sobre a necessidade de reformar o ensino.
Após a queda do Marquês até 1910 foram várias as tentativas feitas para alterar a situação. Recordamos as reformas de Rodrigo da Fonseca, Passos Manuel, Costa Cabral, Fontes Pereira de Melo e Rodrigues Sampaio, e dos escritores Gastão Stockler, Almeida Garrett[22], Mouzinho de Albuquerque, Borges Carneiro, Guilherme Dias Pegado[23]. Merece também ser lembrada a acção legislativa de D. António da Costa, o papel de João de Deus[24] e as preocupações educativas de Bernardino Machado. Ficaram famosas as orações de sapientia de Bernardino Machado, Sidónio Pais, Sobral Cid e Eusébio Tamagnini, todas elas reclamando uma urgente reforma da Universidade.
A nível do ensino superior, lembramos que a República criou as Universidades de Lisboa e do Porto[25]. Além disso, reestruturou a de Coimbra e concedeu autonomia às Universidades, o que teve enorme importância para o seu desenvolvimento[26]. A criação em Coimbra e Lisboa de Faculdades de Letras constituiu um dos aspectos mais relevantes daquele período[27]. Quase todos os republicanos estudaram em Coimbra e alguns deles nela foram professores: Afonso Costa, António José de Almeida, Bernardino Machado, Manuel de Arriaga, Sidónio Pais, Teófilo Braga, etc.
O reputado Rómulo de Carvalho (António Gedeão), professor, pedagogo, investigador, escritor, historiador e poeta, no seu excelente livro História do Ensino em Portugal desde a Fundação da Nacionalidade até o fim do Regime de Salazar-Caetano[28] escreve a certa altura: «Não faltaram à I República os homens esforçado de quem se esperaria nos legassem melhor imagem da sua acção governativa. Vítimas dos seus vícios político e das circunstâncias por suas mesmas atitude conduziram o país por uma via de instabilidade de tal modo permanente e angustiosa que o fizeram desembocar na mais indesejada das situações, a da mão pesada que reprime e exige. Foram até por vezes os próprios governantes republicanos a recorrerem a meios que nada tinham de democráticos, em tudo semelhantes aos que vieram a ser repetidos no regime ditatorial que se lhe seguiu, como seja a vigilância apertada sobre a ideologia política dos funcionários públicos, e não só com realce para o ensino, que é o assunto que nos interessa. Assim se lê no artigo 5.º da Lei 410, de 9 de Setembro de 1915: «Desde data da promulgação da presente lei, não pode ser provida em qualquer cargo dos estabelecimentos de ensino, seja qual for o ramo de instrução, nem ser inscrita no professorado livre, qualquer pessoa que não tenha provado, por actos e factos, a sua franca adesão às Instituições republicanas e o seu respeito e acatamento à Constituição e às leis da República Portuguesa». Seis anos depois, em 4 de Novembro de 1921, esclarece-se em decreto que a exigência da Lei 410 sobre «a franca adesão às Instituições republicanas» só deveria ser exigida a quem não tivesse ainda exercido qualquer cargo público, ou seja, porque já tinha mostrado aderir à Lei.
A 29 de Junho de 1922, determina-se que os funcionários na primeira nomeação quer em transferência, permuta ou qualquer provimento deviam provar aderir à República. A 17 de Maio de 1915, o Ministério da Instrução Pública enviou uma circular às escolas primárias recomendando aos professores que fizessem compreender aos seus alunos «o valor moral da vitória da República e a alta significação dos esforços a favor do restabelecimento da Constituição».
A vida nacional profundamente agitada não proporcionou o ambiente de tranquilidade desejado; disso são exemplos o atentado a tiro contra João Chagas em 1915, o assassinato de Sidónio em
A propósito, podemos aqui incluir as palavras de Miguel Torga escritas em 20 de Junho de 1975 acerca da Revolução do 25 de Abril: «Golpe militar. Assim eu acreditasse nos militares. Estranha revolução esta, que desilude e humilha quem sempre ardentemente a desejou. Estamos a viver em pleno absurdo, a escrever no livro da História gatafunhos que nenhuma inteligência poderá decifrar no futuro. Todas as conjecturas têm a mesma probabilidade de acerto ou desacerto. Jogamos numa roleta de loucos, o que tanto anda como desanda. O espectáculo que damos neste momento, é o de um manicómio territorial onde enfermeiros improvisados e atrevidos submetem nove milhões de concidadãos a um electrochoque aberrante e desumano. Fomos descobrir mundo em caravelas e regressámos dele em traineiras. A fanfarronice de uns, a incapacidade de outros e a irresponsabilidade de todos, deu este resultado: o fim sem a grandeza de uma grande aventura. Metade de Portugal a ser remorso da outra metade»[29].
O que diria o filho de S. Martinho de Anta à situação em que hoje nós e outros países da União Europeia e de fora dela nos encontramos? Após 37 anos de vida democrática o estado do nosso País apresenta-se muito longe do que todos aguardavam.
Todo o clima de agitação permanente na fase republicana levou que se tivesse chegado a falar de pena de morte para os criminosos. Cunha Leal no parlamento a 2 de Março de 1922: «É preciso que nos defendamos, e repito o que aqui disse já: precisamos de restabelecer a pena de morte para certos crimes, respondendo com morte a quem mata». E prosseguiu: «Ainda como homenagem aos mortos de 19 de Outubro, eu prometo trazer aqui um projecto restabelecendo a pena de morte».
Rómulo de Carvalho fala do ambiente hostil à reflexão indispensável. Lembre-se que desde 1913[30], quando foi criado o Ministério da Instrução Pública, até ao 28 de Maio de 1926, em treze anos, houve 40 ministros da Instrução sem contar os que desempenharam o cargo interinamente por motivos diversos, o que dá a média de um ministro por quatro meses[31].
Pela pasta da Instrução passaram médicos, advogados, militares, professores, homens da cultura. Leonardo de Coimbra (ministro por duas vezes) , António Sérgio e João José da Conceição Camoesas que apresentou uma proposta importante, Estatuto da Educação Pública que mereceu os aplausos da Seara Nova. Mas as questiúnculas não paravam.
Convidado para ocupar a pasta da Instrução João de Barros não aceitou o cargo. Escreveu em 1916: «A obra republicana em matéria de educação e de instrução é ainda hoje deficientíssima. Quando, em 5 de Outubro de 1910 se proclamou a República, devia-se imediatamente ter pensado em traçar, com cinco ou seis leis fundamentais, o caminho a seguir para a nossa tarefa educativa». Basílio Teles, economista e célebre combatente republicano, preconizava «limitar a obra educativa republicana dos primeiros tempos à extinção do analfabetismo, fechando-se todas as escolas que não fossem primárias, e limitando-se estas, por sua vez, ao ensino das primeira letras». Comenta Rómulo: «Seria a solução drástica, a partida do ponto zero para daí se prosseguir numa linha sem desvios, considerados correcta».
João de Barros nas suas obras A Educação republicana (Lisboa, 1916) e O Problema Educativo Português (Lisboa, 1920) diz que os republicanos não estavam devidamente preparados para levarem a cabo as propostas contidas na sua Revolução: «…tem-se por vezes a impressão de que a República surgiu cedo de mais». Mais escreve: «…há em todos eles (os defensores das Revolução) uma bela fúria de combate contra o existente, uma inteligência demolidora que sabe ver todos os pontos fracos do adversário para melhor o atingir e, simultaneamente, uma série de afirmações vagas sobre a realização do Ideal Republicano». Mais firma: «…em Portugal apenas se criaram os meios de alargar e multiplicar um ensino secundário que não se combina com o ensino superior; o ensino profissional não corresponde às exigências económicas das regiões em que se exerce». «É o caos».
Em 1918, Reis Machado escrevia: «O ensino em Portugal, de uma maneira geral, constitui um crime, mais ou menos consciente; é uma calamidade pública, todo ele, desde o primário, em que inicia a sua obra, até ao superior, em que a finda». O médico Celestino da Costa, referindo-se em 1917 ao ensino superior dizia: «…na realidade as universidades portuguesas não existem; são meras fórmulas burocráticas sem consciência clara da sua missão». João de Deus Ramos, já no termo da I República e depois de ter sido ministro da Instrução: «Nenhuma reforma obedeceu, até hoje, a um plano de conjunto que tivesse por base essencial o estudo das qualidades próprias, bem definidas, e das condições históricas, bem demarcadas, do povo português»[32].
Não deve contudo pensar-se que a I República nada fez. O ano de 1911 representou um marco importante com várias reformas do ensino primário e superior. António José de Almeida e Tomás da Fonseca aludiram ao progresso verificado. Em 1911 uma população de 5 960 056 havia 1 936 131 analfabetos; em 1930 para 6 825 883 habitantes o número de analfabetos era de 2 653 540. Ou seja, tendo em conta o aumento da população os analfabetos constituíam 75, 1% da população em 1911 e em 1930 o valor baixa para 67, 8%[33]. Há uma distinção abismal entre pessoas do sexo feminino e do sexo masculino. Comenta Rómulo: «Números terríveis no seu significado social, envergonhando-nos duplamente como europeus e como Nação onde, em todo o tempo, não têm escasseado os exemplos da mais elevada craveira intelectual»[34].
Podíamos também falar do ensino liceal, industrial e comercial, etc. Apenas o universitário: em 1926, havia 4 117 estudantes na três Universidades, sendo de destacar que dominavam as Faculdades de Medicina e Ciências, com 1170 e 1247 alunos, e não como antes a de Direito que contava 936 escolares. Como afirma Rómulo de Carvalho: «A mudança é significativa e apresenta-se como um dos grandes méritos da obra pedagógica da I República. Significa mais acção e menos palavras»[35]. O Governo teve em atenção a má preparação dos alunos que acediam à Universidade.
O corpo docente universitário incluía em 1910 78 professores catedráticos e substitutos em Coimbra, alguns deles de elevada craveira[36]; mas em 1926 já esse número se alterou substancialmente: havia 195 na Universidade de Lisboa, 141 na do Porto e 129 na de Coimbra.
Já vai longa esta introdução e muito ficou por dizer. O que se pretendeu foi tão só focar alguns aspectos do período da I República sem cair nem em louvores desmedidos nem em críticas vãs. Há que olhar para os acontecimentos com objectividade. O livro de Edgard Panão constitui uma excelente instrumento para apreciar numa perspectiva de análise serena e altamente construtiva uma fase especial da nossa história. Felicitamos o Autor por tão valioso contributo que ajuda a uma reflexão desapaixonada que indo muito para além do espaço cronológico em que se situa tem o condão de fornecer uma assinalável abrangência do passado com o presente e o futuro.
Hoje, dia de Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, em que ouvimos apelos fortes a um genuíno sentido de responsabilidade dos políticos e governantes, não resistimos a transcrever algumas palavras prenhes de actualidade que o nosso Épico deixou no seu Poema imortal: «.…E ponde na cobiça um freio duro/E na ambição também, que indignamente/Tomais mil vezes, e no torpe e escuro/Vício da tirania infame e urgente;/Porque essas honras vãs, esse ouro puro,/Verdadeiro valor não dão à gente:/Melhor é merecê-los sem os ter,/Que possuí-los sem os merecer» (IX, 93).
E ainda: «…Isto fazem os reis cuja vontade/Manda mais que a justiça e que a verdade/Mas vingo-me: que os bens mal repartidos/Por quem só doces sombras apresenta,/Se não os dão a sábios cavaleiros,/Dão-os logo a avarentos lisonjeiros» (X, 24).
E quase a concluir: «Não mais, Musa, não mais, que a Lira tenho/Destemperada e a voz enrouquecida,/E não só do canto, mas de ver que venho/Cantar a gente surda e endurecida./O favor com que mais se acende o engenho/Não no dá a pátria, não, que está metida/No gosto da cobiça e na rudeza/Duma austera, apagada e vil tristeza» (X, 145).
Coimbra, 2011-06-10
Manuel Augusto Rodrigues
[1] Leite de Vasconcelos, no livro acima referido, afirma que jagoz (o antigo “Petit-nom” aqui dado ao habitante da Ericeira,enquanto que o lisboeta era o alfacinha) talvez esteja relacionado com ‘jagodes’. (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenado por José Pedro Machado, Amigos do Livro Editores, 1981). Mas há outras interpretações do termo.
[2] O primeiro volume da obra Livros Antigos Portuguezes 1489-1600, da Bibliotheca de Sua Magestade Fidelíssima Descriptos por S. M. El-Rey D. Manuel em Três volumes foi publicado em 1929, tendo-se D. Manuel deslocado ao Palácio de Windsor para entregar em mão o exemplar ao rei Jorge V, que havia sido o primeiro subscritor da obra. O primeiro volume debruça-se sobre dois manuscritos, cinco incunábulos e trinta e três livros impressos em Portugal até
[3] Eram as pessoas que em Portugal seguiam o partido monárquico, no governo de João Franco, no reinado de D. Carlos, passando depois a referir-se àqueles que se opunham à República Portuguesa e por extensão aos reaccionários, especialmente monárquicos.
[4] Vid. Armando Malheiro da Silva, Sidónio e Sidonismo, 2 vols.,Coimbra, 2006; Martins, Rocha, 1879-1952; Rocha Martins, Sidónio Pais : ídolo e mártir da República, Lisboa, 2008.
[5] Vid. Miguel Real, O Pensamento Português Contemporâneo 1890-2010. O Labirinto da Razão e a Fome de Deus, Lisboa, 2011 e as várias História de Portugal e outros estudos que tratam do tema em apreço.
[6] Vid. Le Livre Noir de la Révolution Française, dir. de Renaud Escande com a colaboração de Pierre Chaunu, Jean Tulard, Emmanuel Leroy-Ladurie, Jean Sévillia et Jean-Christian Petitfils, Paris, 2008.
[7] Sobre este e outros temas afins, vid. Almanch da República, 1.º ano, 1913, e os que se lhe seguiram.
[8] Vid. António de Araújo, Jesuítas e Antijesuítas no Portugal Republicano (Lisboa, 2004). Luís Machado de Abreu, Ensaios Anticlericais, Lisboa, 2004; Id., coord., O Anticlericalismo Português, Aveiro. História e Discurso, 2002; Id., coord., Variações sobre Tema Anticlerical, ibid., 2004; João Seabra, O Estado e a Igreja em Portugal no Início do Século XX. A Lei de Separação de 1911, Cascais, 2009. Três experiências no s. XIX: Lei de Separação do Brasil (7 de Janeiro de 1890), da França de 5 de Dezembro de 1905, e de Portugal de 20 de Abril de 1911. A Portuguesa seguiu quase à letras a francesa
[9] Vejamos alguns textos legais anteriores à Lei de Separação que abordam a questão religiosa: logo a 8 de Outubro de 1910 ordenou o Governo que continuassem em vigor as leis sobre a expulsão dos jesuítas e encerramento dos conventos e anula o Decreto de 18 de Abril de 1901 que autorizou a constituição de congregações religiosas[9]; e mantém as câmaras municipais republicanas e manda substituir as que o não o são; o Decreto de 12 de Outubro de 1910 estabelecia os dias feriados: 1 de Janeiro – consagrado à Fraternidade Universal; 31 de Janeiro – aos precursores e aos mártires da República; 5 de Outubro – aos heróis da República; 1 de Dezembro – autonomia da pátria; o Decreto de 26 de Outubro de 1910 voltava ao assunto: além dos dias feriados do Decreto referido atrás só os domingos e os dias até então santificados passavam a ser dias úteis e de trabalho; o Decreto de 21 de Janeiro de 1911 que extingue o culto na Capela da Universidade e cria um museu de arte nesta capela diz na sua introdução: «Atendendo a que as ciências entraram definitivamente no período da sua emancipação de todos os elementos estranhos à razão, porque só desta emanam e só dela dependem, e atendendo também a que estão destinadas a imperar pelo poder incruento e irredutível da verdade demonstrada, a qual acabará com as dissidências das escolas dogmáticas que têm até hoje dividido os indivíduos e os povos»; o Decreto com força de lei de 23 de Fevereiro de 1911 sobre reformas do ensino médico começa assim: «A grande razão política das revoluções incide nas transformações sociais que estas importam, e que imediata ainda que lentamente se desenvolvem, mediante as reformas do ensino público. Ora de entre os distritos da assistência geral, designação em que pode sumariar-se e definir-se todo o problemismo de uma nacionalidade em reabilitação, o ensino é, de certo, a questão primacial, ponto de base e partida para os demais serviços. Assim, a Revolução Francesa destruiu as instituições de ensino herdadas da sociedade católica, e criou, sob a inspiração dos enciclopedistas e dos convencionais, novos organismos pedagógicos. Alguns filósofos dos que prepararam a Revolução foram simultaneamente, como Rousseau e Diderot, críticos da organização social contemporânea e propugnadores das novas ideias pedagógicas. Também entre nós a Revolução constitucional teve o seu reformador
[10] É da autoria do arcebispo de Évora e datada de 24 de Dezembro de 1910, mas apenas tornada pública então. Fala na existência de cinco milhões de católicos, partindo da declaração nos boletins de recenseamento, onde apenas cinquenta mil pessoas se declararam não católicas.
[11] Em homenagem ao seu trabalho missionário atribuiu-lhe uma pensão vitalícia anual de 1 200$00 réis; e em circular aos párocos esclarecia que «os bens pessoais e todos os papéis serão entregues ao bispo».
[12] Lembramos as obras anticatólicas de Lino de Assunção, Alexandre Barbas, Miguel Bombarda, Alexandre Braga, Teófilo Braga, José Caldas, Afonso Costa, Tomás da Fonseca, Manuel Borges Grainha, Gomes Leal, Sebastião de Magalhães Lima, Bernardino Machado, Eça de Queiroz, Antero de Quental, Heliodoro Salgado, entre tantos outros.
[13] Os escritores mencionados eram Teófilo Braga, autor dos poemas Visão dos Tempos e Tempestades Sonoras; Antero de Quental, que então publicara as Odes Modernas; e um escritor em prosa, Vieira de Castro, o único que Castilho distinguia. Seria longa a lista de escritores desta fase da nossa história literária. Nalguns deles encontramos um tipo de panteísmo e culto da natureza, como em Manuel de Arriaga e em Teixeira de Pascoais. Sobre a literatura na fase da República, vid. Colóquio Letras, n.º 175, Setembro/Dezembro 2010, com vários artigos interesse como o de José Carlos Seabra Pereira, “O tempo republicano dalliteratura portuguesa”.
[14] A linha de caminho de ferro da Beira Alta, inaugurada 1882, tornou-se um meio importante para o envio de livros estrangeiros Depois de em 28 de Outubro 1856 ter sido inaugurado caminho de ferro em Portugal com a ligação de Lisboa ao carregado foi impressionante a construção de outras vias férreas em que teve papel preponderante Fontes Pereira de Melo.
[15] Ainda no séc. XIX foi fundado o Centro Nacional com o fim de difundir os ensinamentos de Leão XIII. Em 1871-1872 realizou-se no Porto o Congresso de Escritores e Oradores Católicos a que presidiram o Conde de Samodães e o Visconde de Azevedo. Foi então que nasceram a Associação Católica do Porto e o jornal A Palavra. Depois surgiram Associações Católicas em Braga e
[16]O CADC foi, desde o início, concebido como Centro de Estudos, semelhante a muitos outros que proliferam na Europa, para reforçar, através da reflexão doutrinária, os Círculos Católicos de Operários. O seu enquadramento doutrinário faz-se através da Encíclica de Leão XIII Graves de Communi, na qual o Papa confina o movimento democrata cristão ao domínio ético-social, distinto da intervenção política e afastado de qualquer forma de organização partidária.
[17] A revista Estudos teve um papel importante na vida cultural do século passado, tendo sido editada ininterruptamente até 1970. Na verdade, os Estudos revelaram-se um veículo importante para a divulgação dos ideais dos estudantes católicos, onde eram patentes as suas posições inovadoras. Os Estudos foram publicados até 1970 tendo-se retomado a sua edição em 2003.
[18] Vid. Manuel Alves Pardinhas, Ângelo Alves et. alii, Consciência cristã e opção política : colectânea organizada por iniciativa e sob orientação do Centro de Cultura Católico do Porto, Porto, 1975; Adelino Alves, Centro Católico Português : a Igreja e a política, Lisboa, 1996; José de Saldanha Oliveira e Sousa, Considerações submetidas ao Centro Católico do Porto, Lisboa, 1896.
[19] O Apelo de Santarém ou Instrução Pastoral Colectiva do Episcopado, de 22 de Janeiro de 1915, apela para a acção política da União Católica, donde derivará o Centro Católico Português. Aprovado o programa redigido por Diogo Pacheco de Amorim e Almeida Correia. Eleita uma comissão central com Alberto Pinheiro Torres, José Fernando de Sousa (Nemo) e Diogo Pacheco de Amorim. Participam 36 leigos e 30 eclesiásticos, a maior parte deles oriundos da diocese de Braga. Vid. sobre o Centro Católico Português: Fortunato de Almeida, História A História da Igreja em Portugal, 4 vols., reed., Coimbra, 1967-1971; Miguel de Oliveira, História Eclesiástica de Portugal, Lisboa, 1958. Dicionário de História Religiosa de Portugal, dir. de Carlos Moreira Azevedo, 3 vols., Lisboa, 2000-2001; História Religiosa de Portugal, dir. de Carlos Moreira Azevedo, vols., Lisboa, 2000-2002.
[20] Vid. João Francisco de Almeida Policarpo, O pensamento social do grupo católico de "A Palavra" : (1872-1913), 2 vols., Lisboa, 1977-1982.
[21] Vid. Teófilo Braga-Alves de Sá-Manuel Duarte-Martins de Carvalho, prólogo de Teixeira Bastos, A Sebenta. Colecção de artigos extraídos da Vanguarda, Lisboa, 1899.
[22] Almeida Garrett escreveu Projecto de lei da organização geral da Universidade de Portugal
[23] Dias Pegado é o autor de Projecto de lei de organização geral da Universidade de Portugal, 1835.
[24] Célebre ficou a sua Cartilha Maternal ou Arte de Leitura, 1876.
[25] De acordo com os dados fornecidos por J. Veiga Simão, Sérgio Machado dos Santos e António de Almeida Costa no Ensino Superior: uma Visão para a Próxima Década (2002), p. 218, presentemente, o ensino superior público conta 14 Universidades, 15 Institutos Politécnicos e 36 instituições de índole diversificada. A Universidade Católica Portuguesa faz parte do ensino superior concordatário. Do ensino particular e cooperativo fazem parte 15 Universidades e 160 Institutos, Escolas Superiores e Unidades Funcionais. Tão elevado número de instituições leva os autores da obra tecer críticas contundentes a tamanha proliferação que em nada contribui para uma verdadeira evolução da ciência.
[26] Em
[27] Em Lisboa já havia sido criado o Curso Superior de Letras em 1859. Na capital e no Porto funcionavam ainda várias Escolas Superiores que depois deram origem às Faculdades de Medicina e Ciências.
[28] Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, p.651 ss.
[29] No seu Diário (Porto, 7 de Maio de 1977), fala da “revolução de mentira” que não foi, evidentemente, evidentemente, o evangelho anunciado de uma nova pátria: “Estranha revolução esta, que desilude e humilha quem sempre ardentemente a desejou. A mais imunda vasa humana a vir à tona, as invejas mais sórdidas vingadas, o lugar imerecido e cobiçado tomado de assalto, a retórica balofa a fazer de inteligência. Mas teimo em crer que apesar de tudo valeu a pena assistir ao descalabro. Pelo menos não morro iludido, como os que partiram nas vésperas do terramoto. Cuidavam que combatiam pelo futuro e, na verdade, assim acontecia, mas apenas na medida em que o sonhavam como se ele tivesse de ser coerente com a dignidade do seu passado de lutadores. O trágico é que um futuro sonhado não passa de uma ficção». E continua: “O que apelidamos de revolução é um despautério social a que teimamos em dar esse nome sagrado. Quem faz revoluções não exibe revoluções” (Diário, Coimbra, 1 de Julho de 1975). - A respeito da revolução dos cravos, temos de rememorar o que ele escreveu em 1978: “Bem quero, mas não consigo alhear-me da comédia democrática que substituiu a tragédia autocrática no palco do país. Só nós! Dá vontade de chorar, ver tanta irreflexão. Não aprendemos nenhuma lição política, por mais eloquente que seja. Cinquenta anos a suspirar sem glória pelo fim de um jugo humilhante, e quando temos a oportunidade de ser verdadeiramente livres escravizamo-nos às nossas obsessões. Ninguém aqui entende outra voz que não seja a dos seus humores. É humoralmente que elegemos, que legislamos, que governamos. E somos uma comunidade de solidões impulsivas a todos os níveis da cidadania. Com oitocentos anos de História, parecemos crianças sociais. Jogamos às escondidas nos corredores das instituições” (Diário, Chaves, 12 de Setembro de 1978).
[30] Já entre 1870 havia funcionado um Ministério dos Negócios da Instrução Pública de que foram titulares António da Costa de Sousa Macedo, Carlos Bento da Silva (interino) e António Alves Martins (interino); entre 1890 e 1892 o Ministério da Instrução Pública e Belas Artes por onde passaram João Marcelino Arroio, António Cândido Ribeiro da Costa (interino), António Vaz de Sampaio e Melo (interino) e José Dias Ferreira (interino).
[31] De
[32] João de Deus Ramos, O Estado Mestre-escola e a Necessidade das Escolas Primárias Superiores, Lisboa, 19124.
[33] Rómulo serviu-se do Anuário Estatístico de Portugal.
[34] O analfabetismo na Europa em 1881 registava estes números: 0, 4% na Suécia; 0, 51% na Alemanha; 1% na Inglaterra e Escócia; 0,08% na Noruega; 0, 36% Dinamarca. Pelo contrário 68% em Espanha; na Itália 42%; na Áustria 38%; 28% na Irlanda; 17% na Bélgica. Estes números foram extraídos de Salvado Sampaio, O Ensino Primário, I, 79, que os transcreve de Agostinho de Campos, Educação e Ensino, Porto, 1911, p. 249.
[35] Op. cit., p. 715.
[36] Lembramos alguns professores célebres da Universidade de Coimbra no período republicano. Em Letras: António de Vasconcelos, Alves dos Santos, Carolina de Vasconcelos, Joaquim de Vasconcelos, Ferrand Pimentel de Almeida, Mendes dos Remédios, Joaquim de Carvalho, Eugénio de Castro, Providência e Costa, Virgílio Correia, Amorim Girão, Oliveira Guimarães, Gonçalves Guimarães, Simões Neves, Meyer-Lübcke, Joseph Maria Piel; em Direito: Paulo Merêa, Guilherme Moreira, Teixeira de Abreu, Magalhães Colaço, Afonso Costa, Mário de Figueiredo, Caeiro da Mata, Cabral Moncada, Carneiro Pacheco, José Alberto dos Reis, Oliveira Salazar, Marnôco e Sousa, Machado Vilela, Fezas Vital; em Medicina: Bissaya Barreto, Costa Alemão, Egídio Aires de Azevedo, Rocha Brito, Teixeira de Carvalho, Sobral Cid, Ângelo da Fonseca, Feliciano Guimarães, Daniel de Matos, Egas Moniz, Elísio de Moura, João Duarte de Oliveira, Almeida Ribeiro, Morais Sarmento, Serras e Silva, Novais e Sousa; em Ciências: Anselmo Ferraz de Carvalho, Pacheco de Amorim, Costa e Almeida, Pinto Basto, Wittnich Carrisso, Eusébio Tamagnini, Costa Lobo, Custódio de Morais, Morais Zamith, Teixeira Bastos, Júlio Augusto Henriques; em Farmácia: Aloísio Fernandes Costa, Fernandes Costa, Rodrigues Dinis, Vicente José de Seiça.